Revisão de regulamento do bloco pode desestabilizar mercado de refrigeração e ar condicionado, diz indústria
Por Redação / FONTE: BLOG DO FRIO
As substâncias per- e polifluoroalquil (PFAS), um grupo de compostos químicos que têm sido utilizados em todo o mundo desde a década de 1940, estão no epicentro de uma nova tempestade regulatória europeia com potencial de abrir precedente para outras regiões adotarem políticas semelhantes.
Vulgarmente chamados de “químicos eternos”, os PFAS são amplamente empregados na fabricação de utensílios de cozinha antiaderentes, roupas hidrorrepelentes, tecidos e carpetes resistentes a manchas, cosméticos, espumas de combate a incêndios e produtos que resistem à gordura, água e óleo.
Os PFAS sempre foram uma questão de preocupação ambiental, em função de sua persistência na natureza, mas agora, com a nova definição da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) estabelecida em 2021, que expandiu a classificação dos PFAS para mais de nove mil produtos químicos, a indústria de refrigeração e ar condicionado (AVAC-R) está em alerta máximo.
“Essa definição pode incluir a maioria das moléculas fluoradas usadas como fluidos refrigerantes, com exceção do R-32, R-152a e R-23. Ela é baseada puramente em moléculas que contêm certas estruturas químicas, e não em suas propriedades de persistência no meio ambiente, bioacumulatividade e toxicidade [PBT, em inglês]”, critica Neil Roberts, gerente sênior de vendas técnicas do distribuidor britânico Climalife UK, em artigo publicado no início deste mês no site da revista ACR Journal.
Na União Europeia (UE), a legislação central envolvida na polêmica é a REACH (Registro, Avaliação, Autorização e Restrição de Produtos Químicos), que regula a utilização de compostos do gênero no bloco.
“Usando a nova definição de PFAS da OCDE, quatro Estados-membros da UE e a Noruega publicaram um documento técnico não vinculativo que examina a natureza dos riscos apresentados pelos PFAS e as opções mais adequadas para a gestão desses riscos”, informa. Na prática, o objetivo é proibir todas as substâncias cobertas pela classificação atualizada de PFAS 18 meses após a entrada em vigor das novas regras.
Isso afetaria diretamente o uso dos hidrofluorcarbonos (HFCs) R-125, R-134a, R-143a e das hidrofluorolefinas (HFOs) R-1234yf, R-1234ze(E) e R-1233zd(E) em praticamente todas as novas e atuais misturas de menor potencial de aquecimento global (GWP, em inglês) em conformidade com a Emenda de Kigali e o próprio regulamento europeu sobre gases de efeito estufa fluorados.
“Essa medida, se aprovada, poderia causar um impacto significativo no AVAC-R, que depende fortemente dos fluidos refrigerantes em sua operação. A mudança repentina poderia resultar em uma escassez de alternativas viáveis, levando a aumentos de custo, interrupções na cadeia de suprimentos e possíveis problemas de conformidade. As empresas também teriam que investir substancialmente em pesquisa e desenvolvimento para encontrar substitutos adequados”, afirma.
Atualmente, a proposta, publicada em fevereiro, está sendo revisada pela Agência Europeia de Produtos Químicos (ECHA), que deve avaliar seu teor com base em risco e fatores socioeconômicos, usando uma abordagem focada em fatos e ciência. Durante esse período, as partes interessadas terão a oportunidade de apresentar seus pontos de vista sobre ela e fornecer mais dados para preencher as lacunas a respeito.
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“Portanto, neste momento crucial, é importante que a indústria faça ouvir a sua voz para garantir que a regulamentação final não imponha restrições severas e desnecessárias. As associações industriais, empresas de refrigeração e outros stakeholders devem se engajar ativamente no processo de consulta pública para informar a ECHA sobre as implicações práticas e econômicas de tais restrições.”
O Reino Unido, por meio da sua agência de saúde e segurança ocupacional (HSE), também já estuda adotar medidas similares para produtos de alto risco, como espumas de combate a incêndios, revestimentos e agentes de limpeza, e produtos usados em têxteis, estofamento, couro, vestuário, tapetes e carpetes, tintas, vernizes, ceras, polidores e produtos de limpeza.
Mas, ao contrário da abordagem da UE, a HSE optou por agrupar compostos com propriedades físico-químicas e estruturas semelhantes, permitindo a avaliação de risco em nível de grupo e a atribuição de categorias de alto ou baixo risco.
Segundo o relatório da HSE, “usos em sistemas selados/contidos (incluindo uso como fluidos de troca térmica em bombas de calor e sistemas de refrigeração) poderiam ser destacados como derrogações a qualquer proposta de restrição”. Assim, a revisão da classificação dos PFAs não deve abranger os fluidos refrigerantes no Reino Unido.
Publicado em abril, o documento britânico esclarece que os fluorquímicos usados no AVAC-R, conforme pondera Roberts, “não são persistentes no meio ambiente, não são bioacumulativos nem tóxicos e, portanto, representam um baixo risco. Foi observado que alguns deles formam o ácido trifluoracético (TFA) quando se decompõem na atmosfera, o que exigiria mais considerações”.
Nos últimos anos, entretanto, “numerosos artigos acadêmicos revisados por pares foram publicados sobre a presença de TFA no meio ambiente. Esses estudos concluíram que mais de 95% do TFA encontrado na natureza é formado a partir de processos naturais, e o TFA produzido a partir de emissões de HFCs e HFOs teria um impacto muito pequeno em sua presença no meio ambiente. Esses estudos também consideraram o crescimento no uso dessas moléculas em todo o mundo e concluíram que os efeitos não são expressivos”, ressalta.
“Isso foi reconhecido em uma publicação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), que afirmava ‘com base em estimativas de uso atual e futuro de HCFCs, HFCs e HFOs que eles só adicionariam uma fração (estimada em menos de 0,1%) às quantidades já presentes em fontes naturais, como vulcões submarinos’.”
Segurança e eficiência em risco
O Conselho Alemão de Pesquisa para Tecnologia de Refrigeração (FKT, em alemão) também advertiu recentemente que a proibição dos PFAS na UE colocaria em risco a operação segura e eficiente dos circuitos frigoríficos estacionários e automotivos.
O FKT argumenta que, além dos refrigerantes fluorados, muitos componentes e revestimentos essenciais desses sistemas são feitos de materiais que contêm PFAS, como o politetrafluoretileno (PTFE), que é usado por sua resistência ao desgaste, resistência química, resistência à temperatura e estabilidade dimensional. Sem esses materiais, a manutenção e a reparação se tornariam mais custosas e a eficiência energética poderia ser comprometida.
Especificamente, mancais, arruelas de pressão e buchas de eixo dinamicamente tensionadas são feitas de fluorelastômeros que garantem que os componentes sejam devidamente vedados e evitem fugas de fluidos refrigerantes.
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A entidade lembra que bobinas elétricas de motores para compressores, bombas e válvulas de controle também são frequentemente protegidas com revestimentos contendo flúor.
“Sensores, bem como controles e componentes eletrônicos, são amplamente empregados em sistemas de refrigeração e bombas de calor. Sua função e longevidade permitem a operação energética eficiente somente quando materiais contendo PFAS são utilizados”, reforça o FKT em uma declaração de posição.
Além disso, o FKT sustenta que ainda não existem alternativas adequadas aos materiais contendo PFAS e a procura por substitutos pode levar anos. A organização alerta que a interrupção ou falha completa dos sistemas de refrigeração em infraestruturas críticas, como hospitais, data centers, centrais elétricas e cadeia de frio alimentar, traria consequências sérias para a sociedade.
Impactos na economia do futuro
Com parte dos reguladores europeus buscando efetivamente proibir os PFAS, os fabricantes de produtos que contêm esses materiais também têm alertado que isso poderia interromper o progresso em outras indústrias cruciais para a economia verde.
Em suma, sua relevância em muitas setores vitais não pode ser negligenciada, conforme avaliou o CEO da Chemours, Mark Newman, em uma entrevista recente concedida à Bloomberg.
“Uma única fábrica de semicondutores pode conter cerca de 200 toneladas de Teflon, um produto da Chemours. Nossa membrana comercial Nafion é fundamental para a economia do hidrogênio, presente em células de combustível eletrolisadas. Esses polímeros também desempenham papéis muito relevantes em veículos elétricos”, exemplificou.
“E os gases fluorados são essenciais para edifícios mais eficientes energeticamente e veículos elétricos com maior autonomia e conforto interno, assim como para a refrigeração de data centers, setor que também faz parte da economia do futuro”, acrescentou.
Os PFAS, disse Newman, “são compostos de alto desempenho inertes e muito duráveis em aplicações muito exigentes, como semicondutores e cateteres cardíacos”.
Diante disso, ele destacou a necessidade de equilíbrio nas discussões a respeito.
“As demandas judiciais e a preocupação pública são importantes, e as empresas devem abordá-las de forma transparente, mas a continuidade na fabricação dessas substâncias é vital para o avanço tecnológico”, salientou.
A mensagem do executivo da gigante americana do ramo de tecnologias de titânio, materiais de performance avançada e soluções térmicas especializadas foi clara: é necessário considerar cuidadosamente as preocupações ambientais e de saúde pública e a necessidade tecnológica desses compostos.
Por fim, Newman reforçou que este é um diálogo que precisa continuar, envolvendo não apenas fabricantes e reguladores, mas também a comunidade científica e o público em geral, por ser um desafio complexo que requer a colaboração de todas as partes para encontrar um caminho sustentável adiante.
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