Ao trabalhar sem a devida habilitação para prestar serviços com qualidade e segurança, profissional pode perder muito mais que o direito de assinar a tão almejada Responsabilidade Técnica (RT)
Por Redação / FONTE: BLOG DO FRIO
Criada pela lei Nº 9.394/96, a possibilidade de profissionais com experiência comprovada agilizarem a obtenção do documento que lhes abrirá as portas para assinar e colocar em prática projetos de ar-condicionado e refrigeração se desvirtuou completamente, no entender de especialistas no ensino do setor.
Dentre os que pensam assim, e se dizem bastante preocupados com as consequências desse cenário, está Alexandre Fernandes Santos, mestre e doutor especializado em AVAC-R e diretor da ETP – Escola Técnica Profissional, de Curitiba.
Para ele, tal expediente só faria sentido quando alguém na faixa dos 35 anos, por exemplo aprendesse o exercício da profissão no dia a dia, mesmo sem ter podido estudar quando mais novo. “Mas como pode um jovem de 18 anos ter três certificados de competência?”, pondera o professor, aludindo a casos do gênero que já presenciou.
Segundo ele, isso ocorre porque o certificado por competência nasceu como exceção, numa época em que o acesso à formação presencial e, mais recentemente, ao Estudo a Distância, era muito mais difícil, um panorama bem diferente do atual, o que sequer justificaria mais a existência desse dispositivo, na opinião do professor.
Mas, rapidamente, este expediente estaria se tornando regra, pela facilidade com que, muitas vezes, pessoas despreparadas recorrem a este recurso, mediante o pagamento de valores variáveis, para ter direitos que a maioria dos colegas de profissão só obtém ao longo de 1.200 horas, frequentando assiduamente salas de aula e laboratórios, montados à custa de altos investimentos pelas instituições sérias e comprometidas com a sua missão.
Muito estranho também, no entender do professor, é a facilidade com que esses pseudo-cursos conseguem obter autorização para funcionar, uma das razões para a sua rápida proliferação, iniciada a partir do Norte do País e hoje praticamente presente em todas as regiões, segundo ele.
O principal componente deste crescimento, porém, é a exploração da pressa de quem deseja assinar o quanto antes a RT (Responsabilidade Técnica) e, assim, aumentar seus ganhos. “Em apenas 3 dias uma escola dessas consegue abrir, ao passo que o processo regular costuma levar cerca de 2 anos e abrange 900 páginas de documentos”, estranha Alexandre.
Baixo Nível
Pior de tudo, na opinião do educador, são as consequências que já começam a aparecer e tendem a se agravar no mercado, frente à inevitável queda no nível dos profissionais que instalam e mantêm os sistemas de AVAC-R funcionando. Sem falar no risco que sempre existe de fatos dessa ordem virarem casos de polícia, além de resultar na perda de validade de diplomas e afins, adquiridos com tentadora facilidade.
Igualmente inquieto com o que ainda pode ser gerado por esse estado de coisas, o diretor técnico da Thermo Cursos, de São José do Rio Preto (SP), resume um quadro que considera deplorável. “Com certificado por competência, a pessoa está no ramo há apenas 3 anos, é um ‘quebra-chave’, um ‘pendurador’ sem nenhum conhecimento técnico, faz uma prova que já vem preenchida e depois só assina os papéis que lhe dão. Como esse país pode ir para frente desse jeito?”, questiona Américo Martins, igualmente indignado.
Profissional há 42 anos no mercado e desde 2013 à frente da Thermo Cursos, ele não tem dúvida da queda de nível que está ocorrendo em ritmo acelerado na área, em virtude do rumo tomado pelo artigo 41 da Lei Nº 9.394/96. “Se você pegar essas pessoas e pedir que façam uma prova de conhecimento básico geral, elas não tiram cinco”, dispara.
Embora os órgão ligados ao exercício profissional do AVAC-R não venham se manifestando publicamente a respeito, entidades como o Conselho Federal dos Técnicos Agrícolas (CFTA) têm enviado sugestões de emendas a esse dispositivo que vem tirando o sono de quem realmente leva a sério o ensino na categoria profissional a que pertence.
Documento enviado pelo órgão à Câmara Federal define como “uma verdadeira farra de concessão de certificados de cursos de competência por cursos de curta duração, visando a posterior obtenção do registro profissional por pessoas sem capacitação teórica e prática”.
“Por isso, o CFTA tem rejeitado tais pedidos de registro”, acrescenta o comunicado, cujo pleito central é a validação de todo o processo, envolvendo cada certificação por competência concedida no País pelo respectivo conselho de fiscalização profissional.
Na opinião de Martins, o Conselho dos Técnicos Federais (CFT) bem que poderia tomar providências nessa linha, “pois embora o certificado por competência seja um direito, ele tem de ser conquistado de forma adequada. Do contrário, obtém-se apenas um papel para exercer atividades para as quais não se está minimamente preparado. Como pode alguém certificado assim estar apto a fazer um projeto de ar condicionado e de elétrica?”, questiona. “Ele pode assinar projetos de todas as capacidades sem nenhum conhecimento e problemas certamente vão surgir, é uma questão de tempo”, prevê.
Responsabilidade Técnica
A gravidade de todo esse quadro torna-se mais perceptível ainda quando se leva em conta o fato de o técnico em refrigeração e climatização ser um dos poucos profissionais habilitados a realizar serviços relativos aos quadros elétricos do ar-condicionado e também à manutenção no dia a dia nos moldes previstos pelo Plano de Manutenção, Operação e Controle (PMOC).
Para arcar com tanta responsabilidade, o professor Alexandre, da curitibana ETP, indica como melhor caminho para o profissional, sempre que possível, fazer um curso presencial, onde ele poderá ter um melhor aprendizado.
“Quem tiver dificuldade, em função de horário ou indisponibilidade de uma programação assim em sua cidade, tem como opção os cursos ministrados a distância que, por lei, precisam ter 20% de sua carga horária em aulas práticas. Aqui, por exemplo, o aluno fica quarta, quinta, sexta e sábado; manhã, tarde e noite, tendo aulas práticas em cada semestre do nosso EAD”, acrescenta..
Ao falar do tamanho desse mercado, disputado com voracidade por muitos, Alexandre o estima em mais de R$ 3 bilhões anuais, incluindo – incrivelmente – setores como o de enfermagem, do qual dependem vidas humanas.
No AVAC-R não é muito diferente, convenhamos, “pois nossos sistemas vão além do conforto térmico, ao garantir a qualidade do ar respirado pelas pessoas nos ambientes climatizados e também dos alimentos que precisam de frio adequado no transporte, armazenamento e exposição nos pontos de venda”, arremata o especialista.
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